Por que a humanidade falha em reconhecer e responder adequadamente à crise da biodiversidade?
Em seu artigo (aqui), o Diretor Geral do Centro de Pesquisa Florestal Internacional (CIFOR), Robert Nasi, fala de números alarmantes que atestam a crise perda acelerada da diversidade de vida, com extinção de várias espécies desde a década de 70. Do seu início para cá, as populações de vida selvagem despencaram 73% , com mais de um milhão de espécies em risco e 44% dos recifes de corais, berçários no oceano, ameaçados.
E por mais que dados assim sejam frequentemente divulgados, a maioria das pessoas não se sensibiliza sobre esta grave crise, nem para onde ela está nos levando. Muito interessante é conhecer o que o autor identifica o autor identifica como três poderosos vieses psicológicos que explicam essa desconexão perigosa entre realidade e percepção. O primeiro viés é a síndrome da linha de base móvel, conceito desenvolvido pelo cientista Daniel Pauly, em 1995: cada geração aceita ambientes progressivamente degradados como referência normal, criando o que o psicólogo ambiental Peter Kahn Jr. denomina “amnésia ambiental geracional”. Crianças hoje crescem acreditando que o mundo natural empobrecido atual representa a normalidade.
O segundo é a normalidade rastejante, que torna mudanças graduais invisíveis até que culminem em uma crise. Nasi traz o evento global de branqueamento de corais de 2023-2024, que afetou 84% dos recifes terrestres – o mais extenso já registrado. Antes de 1990, este branqueamento massivo nunca ocorreu; agora acontece a cada 2-3 anos, com cada aumento de frequência tornando-se a nova normalidade.
O terceiro viés, segundo Nasi, é o do pensamento categórico, que simplifica problemas ecológicos complexos em categorias mentais inadequadas. A Amazônia, por exemplo, é tratada como sistema único, ignorando que 31% da região oriental já está perdida enquanto áreas ocidentais permanecem intactas.
Nasi cita o colapso histórico da pesca de bacalhau do Atlântico, em 1992, como exemplo arquetípico desses vieses. As populações caíram para 1% dos níveis históricos, mas cada geração de cientistas pesqueiros aceitava os estoques da sua época como a linha de base normal, ignorando o contexto histórico.
O autor destaca que os ecossistemas de água doce colapsaram dramaticamente, declinando 85% desde 1970, mas esse processo incremental permaneceu invisível ao público e formuladores de políticas. Vinte e uma espécies foram declaradas extintas em 2023 nos Estados Unidos, incluindo oito pássaros meleiros havaianos, ilustrando como o declínio gradual se normaliza ao longo das gerações.
Outra conclusão no artigo de Nasi, foi a de que os Relatórios de Riscos Globais do Fórum Econômico Mundial exemplificam essa distorção: classificam consistentemente a perda de biodiversidade entre os principais riscos de longo prazo, mas nunca como ameaça imediata. Nossa mente luta para processar ameaças graduais, complexas e distribuídas que não se encaixam em padrões familiares de catástrofe.
Por fim, Nasi enfatiza que os próximos cinco anos são decisivos, com múltiplos ecossistemas aproximando-se de pontos de inflexão irreversíveis e aponta que a Avaliação Nexus do IPBES (aqui) de 2024 reconhece que abordar crises de biodiversidade, clima, água, alimentos e saúde isoladamente é ineficaz. Essas questões, ao seu ver, requerem abordagens integradas que poderiam gerar 10 trilhões de dólares em benefícios até 2030.
Compreender esses pontos cegos cognitivos representa nossa melhor chance de superá-los uma vez que reconhecemos como nossas mentes distorcem a percepção ambiental, conclui o especialista. Assim, Nasi acha que podemos desenvolver estratégias eficazes para enfrentar essa que é, possivelmente, segundo ele, a maior falha de percepção da humanidade.
Esta análise ressalta a importância fundamental dos projetos de conservação da natureza, como o da Resex do Rio Cautário (aqui), que emergem como nossa principal ferramenta para reverter tendências devastadoras, proteger ecossistemas remanescentes e restaurar aqueles perdidos, garantindo que a rica diversidade da vida terrestre possa ser preservada para as futuras gerações.