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by Felipe Godoy - Senior Legal Counsel da Permian Brasil

25/09/2024

No contexto das mudanças climáticas, o mercado de carbono pode parecer um assunto distante para muitos brasileiros. No entanto, a regulamentação que está sendo discutida no Legislativo para instituir o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE) representa uma grande oportunidade para o Brasil se destacar globalmente no combate às mudanças climáticas nos próximos anos. 

Para que o país, rico em biodiversidade e recursos naturais, avance em pautas essenciais, como descarbonização, conservação e restauração (Link), a regulação do mercado de carbono por meio de uma lei específica é crucial, pois servirá como um mecanismo econômico para incentivar a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o dióxido de carbono (CO₂). Cada crédito de carbono representa uma tonelada de CO₂ equivalente que deixou de ser emitida na atmosfera, conforme métricas estabelecidas pelo Protocolo de Kyoto (1997)¹. 

Nesse sentido, em 21 de dezembro de 2023, a Câmara dos Deputados aprovou uma versão do projeto de lei que regulamenta o mercado de carbono (Link) no Brasil e cria o chamado SBCE. Ao ser recepcionado novamente no Senado, sua casa de origem, o Projeto de Lei ganhou novo número no início deste ano (PL 182/2024 – Link). Contudo, a tramitação do projeto, que é bicameral, não avançou desde o final do ano passado. 

Ocorre que, no último dia 21 de agosto, os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do Supremo Tribunal Federal assinaram um pacto pela transformação ecológica. Assim, espera-se que o projeto de lei seja votado no Senado neste mês de setembro. O pacto, que é um ato simbólico e foi firmado pelos Três Poderes, enfatiza a importância da agenda ambiental e abrange temas cruciais, como o mercado regulado de carbono e a mobilidade sustentável. 

Se aprovado, o projeto virará lei e terá como objetivo, além de cumprir compromissos assumidos sob a Convenção-Quadro das Nações Unidades sobre Mudanças Climáticas, movimentar a economia com base no seu mecanismo de cap and trade², que promete regular as transações dos ativos do SCBE, conforme metodologias estabelecidas para emissão de GEE. 

Nesse contexto, competirá ao órgão gestor do SBCE definir os mecanismos e emitir as chamadas Cotas Brasileiras de Emissões (CBEs), ativos transacionáveis que representam o direito de emissão de uma tonelada de CO₂. 

Do ponto de vista prático, os obstáculos do PL são variados e abrangem dimensões técnicas, políticas e econômicas. Nesse contexto, é fundamental ressaltar alguns aspectos da última versão do texto que se destacaram nas discussões e que merecem ser considerados com atenção. São eles: 

  • Ausência do agronegócio: assim como em boa parte dos países do mundo, a produção primária agropecuária e as melhorias em imóveis rurais, ou seja, tudo que está “porteira para dentro”, não são consideradas atividades sujeitas ao sistema SBCE, ou seja, de uma forma geral não estarão sujeitas ao limite de emissões de GEE. Este ponto é relevante e vem sendo amplamente discutido, ao passo que engloba argumentos variados, como a importância do setor agropecuário na economia brasileira, discussões sobre segurança alimentar relacionadas ao setor e desafios para medir as emissões de GEE nas atividades do agronegócio. 
  • Complexidade de implementação do sistema SBCE: a governança, as competências e a estrutura do SCBE contidas no projeto são robustas e possuem diretrizes complexas. O projeto estabelece um prazo de até cinco anos para a implementação total do SCBE; apenas para o período de edição da regulamentação (sem início das operações efetivas), o projeto de lei prevê 12 meses, prorrogáveis por mais 12 meses. 
  • Exclusão de projetos privados do sistema jurisdicional (programas de redução de emissões ou remoção de GEE realizados diretamente pelo poder público em territórios de sua jurisdição, em escala nacional ou estadual): nos moldes do PL, os geradores de projetos são automaticamente incluídos no sistema jurisdicional e devem informar quando não quiserem que seus imóveis sejam integrados em programas deste tipo. Caberá à CONAREDD+, a chamada Comissão Nacional para Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal (REDD+), receber as informações dos projetos de REDD+ certificados no país e excluí-los do sistema jurisdicional para evitar dupla contagem. Vale salientar que, mesmo fora do sistema jurisdicional, o imóvel continua sujeito às normas de fiscalização ambiental, conforme a legislação vigente. 
  • Possibilidade de emissão de crédito de carbono em áreas protegidas pela legislação brasileira: o projeto prevê que a recomposição, a manutenção e a conservação de Áreas de Preservação Permanente (APPs) e reservas legais são aptas para a geração de créditos de carbono. Contudo, as metodologias mais reconhecidas atualmente não viabilizam esse método propriamente, uma vez que não fazem diferença entre vegetação nativa e vegetação protegida pela legislação brasileira (conceito nacional). Essa falta de distinção pode gerar desconfiança no mercado internacional e restringir créditos gerados em APPs e reservas legais ao âmbito nacional, fazendo surgir a necessidade de novas metodologias ou até mesmo adaptação das metodologias existentes frente às especificidades da legislação brasileira. 
  • Regramento para projetos em comunidades tradicionais: o projeto regra expressamente que as comunidades tradicionais (extrativistas, indígenas e quilombolas, por exemplo) são as titulares dos créditos de carbono. Isso reafirma a necessidade de obter o Consentimento Livre, Prévio e Informado (CLPI) das comunidades, seguindo o protocolo ou plano de consulta estabelecido por eles, sempre que o projeto envolver um terceiro desenvolvedor, que deverá arcar integralmente com os custos do processo de CLPI, bem como respeitar e construir, em conjunto com a comunidade, as salvaguardas socioambientais pertinentes ao projeto. 

 

Os tópicos acima representam alguns dos pontos de destaque do PL. Para que uma lei neste setor seja efetiva, é fundamental que ela seja viável de ser implementada e que priorize a segurança jurídica do mercado, especialmente no que diz respeito à titularidade dos créditos de carbono, tema que requer uma abordagem clara e consensual na legislação brasileira, bem como que se respeite o espaço já conquistado pelo mercado voluntário de carbono (transações voluntárias de créditos de carbono para compensação de emissões de GEE sem ajustes na contabilidade nacional, conforme devidamente previsto no PL). 

Para ser viável na prática, é importante que todos os artigos presentes no PL estejam integrados, sendo necessário, possivelmente, revisar aqueles que não forem essenciais para o funcionamento do SBCE. Afinal, a sistemática que o PL 182 propõe criar, por meio do SCBE, impactará o funcionamento de todo o mercado regulado brasileiro de carbono. Ele poderá ser mais bem detalhado, posteriormente, via decretos sobre temas específicos, em linha com acordos internacionais sobre o clima e com evidências científicas. 

Se aprovado, o SBCE será um sistema de abrangência geográfica nacional, com possibilidade de interoperabilidade com outros sistemas internacionais de comércio de emissões compatíveis com o SBCE, o que exige preparo e planejamento do país. 

Nesse sentido, a implementação do SBCE, que tem grandes chances de trazer novas oportunidades de desenvolvimento para o país, requer também a participação ativa de diversos setores da sociedade, não apenas do governo, sendo crucial este engajamento multisetorial para que a economia brasileira possa traçar um futuro mais sustentável e resiliente às mudanças climáticas. 

Com isso em mente, as próximas semanas serão decisivas para se delimitar os capítulos seguintes deste assunto, do ponto de vista legislativo. Se aprovado pelo Senado, o projeto seguirá para análise e sanção do presidente Lula, a fim de se tornar lei. Caso isso ocorra, será um marco histórico para o Brasil, demonstrando seu compromisso com a redução das emissões de gases de efeito estufa, uma economia de baixo carbono e a mitigação dos riscos impostos pela emergência climática. 

 

1. O Protocolo de Kyoto (1997) é um acordo internacional que entrou em vigor em 2005, assinado com o objetivo de estagnar e reduzir as emissões de GEE, especialmente o CO₂. O Brasil é um dos países que assinaram e ratificaram o acordo.

2. Cap and trade é um sistema de regulação que estabelece limites para as emissões de carbono e permite a negociação de créditos de carbono, tendo como objetivo controlar e reduzir a quantidade total de poluentes liberados no meio ambiente.

 

Publicado originalmente no Portal Jota em 09 de setembro de 2024. Confira o original

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