Os créditos de carbono devem ser investigados assim como a desinformação espalhada para prejudicar este mecanismo de financiamento climático
Um mercado de carbono robusto, transparente e devidamente examinado – utilizado juntamente com atividades rápidas e ambiciosas de redução de emissões – pode ajudar países com florestas, a reduzirem suas emissões, protegerem ambientes naturais ameaçados e reduzirem a pobreza.
Os projetos de carbono baseados em florestas, que evitam as emissões do desmatamento, são uma parte cada vez mais importante da estratégia de proteção climática e ambiental da Malásia, por exemplo. Isso se alinha à crescente demanda internacional por créditos de carbono de projetos de emissões evitadas de alta qualidade. Entretanto, a desinformação com base ideologica contra as soluções climáticas baseadas neste mercado potencializa, e muito, o risco de piorar a crise climática e ambiental.
O desmatamento em todo o mundo é uma das principais causas das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) mas, quando os projetos de conservação são bem elaborados, eles não apenas proporcionam benefícios climáticos, mas também geram investimentos internos no desenvolvimento social e na proteção da biodiversidade.
No entanto, os apelos de algumas ONGs e parcerias com a mídia para bloquear totalmente os créditos de carbono como fonte de financiamento para a proteção ambiental baseiam-se na oposição aos mercados e a uma economia mista, e não em um consenso científico confiável.
Como adverte um colaborador anterior do The Star [LINK], os créditos de projetos florestais devem sempre ser tratados com cautela. Mas essa cautela deve ser usada para garantir que eles sejam submetidos ao escrutínio de comentaristas profissionais com base científica, para garantir que ofereçam benefícios climáticos mensuráveis e que proporcionem impactos positivos tangíveis para as comunidades locais e a biodiversidade.
O escrutínio independente de projetos que geram créditos de carbono, seja por meio de vigilantes especializados ou de jornalismo investigativo, desempenha um papel importante nos controles e equilíbrios do mercado. Feito corretamente, com rigor, equilíbrio, boa-fé e justiça, ele pode expor projetos de baixo desempenho, identificar pontos fracos nos padrões do setor e chamar a atenção para casos de greenwashing. No entanto, artigos baseados em imprecisões e estudos sem revisão científica da academia podem por a perder a chance de conservação ambiental e de redução da pobreza em comunidades rurais.
Com muita frequência, nos últimos anos, críticas potenciais a projetos de carbono florestal foram baseadas em informações enganosas e imprecisas, impulsionados por aqueles que se opõem diametralmente ao uso de créditos de carbono e ao Mercado Voluntário de Carbono (MVC). Longe de melhorar a mitigação do clima e a proteção das florestas, essa disseminação de desinformação mascara os impactos positivos no local. O pior é que não são oferecidas alternativas viáveis.
Para citar o exemplo usado por um comentarista, em 2023, o espaço do mercado voluntário de carbono foi abalado por uma rápida enxurrada de artigos da mídia internacional, incluindo o Die Zeit e o The Guardian. As manchetes proclamavam acusações como a de que mais de 90% dos projetos florestais não tinham valor (lastro) e que as empresas que usavam os créditos de carbono não estavam conseguindo proporcionar os benefícios climáticos que haviam alegado. Essas manchetes são factualmente incorretas.
Elas foram baseadas em análises que se aplicam apenas ao desmatamento não planejado (ou seja, extração ilegal de madeira, incêndios etc.) e não a projetos que evitam o desmatamento planejado, como concessões de extração de madeira, como o Projeto de Conservação da Floresta Tropical de Kuamut, na Malásia.
No entanto, o mais importante é que as conclusões feitas pelos jornalistas não correspondiam à análise dos estudos científicos subjacentes. Além disso, especialistas em análise de carbono florestal publicaram réplicas detalhadas que destacam falhas graves nos artigos usados pelos jornalistas [LINK].
Os autores originais ainda não responderam às réplicas, o que sugere que suas conclusões não podem ser comprovadas.
Na sequência, algumas marcas avessas ao risco fizeram declarações públicas prometendo evitar o uso de créditos em seus esforços de compensar aquelas emissões de carbono de carbono que não conseguem reduzir ainda, para atingir a meta net zero. Elas retiraram o apoio a ações climáticas comprovadas, como a proteção de florestas ameaçadas, e não está claro se algo mais está sendo feito em seu lugar.
No entanto, um número crescente de empresas internacionais reconhece a importância da proteção da natureza na mitigação das mudanças do clima, bem como a necessidade de o setor privado intervir para apoiá-la.
O mercado de créditos de carbono de emissões evitadas de florestas protegidas por bons projetos está amadurecendo rapidamente, com uma expansiva rede de iniciativas para garantir a alta qualidade destes créditos. Programas como o Voluntary Carbon Market Integrity Initiative (Iniciativa de Integridade do Mercado Voluntário de Carbono), uma plataforma de múltiplas partes interessadas do Norte e do Sul Global, incluindo a sociedade civil, o meio acadêmico, o governo, as empresas e outras iniciativas relevantes voltadas para a alta integridade, estão definindo princípios e parâmetros para os compradores de créditos de carbono discernirem os bons dos maus projetos.
O Integrity Council for the Voluntary Carbon Market (Conselho de Integridade para o Mercado Voluntário de Carbono) estabeleceu os critérios para o que constitui um crédito de alta qualidade. Agências de classificação independentes estão fornecendo avaliações especializadas de terceiros sobre a credibilidade do projeto. E a abertura de leilões para créditos de carbono de alta qualidade está levando o mercado a novos clientes.
Enquanto isso, os principais padrões internacionais de créditos de carbono – que reconhecem a importância dos projetos de desmatamento evitado – estão em um processo contínuo de revisão e aprimoramento das metodologias, à medida que a ciência evolui.
Para que haja alguma chance de limitar o aquecimento global médio a menos de 2ºC, a prioridade deve ser reduzir pela metade as emissões industriais e de combustíveis fósseis, a cada década, até 2050. Para países e empresas, isso exige um enorme esforço e investimento para reduzir agressivamente as emissões das operações e das cadeias de suprimentos. Não há dúvida de que eliminar a queima de combustíveis fósseis de nossas economias é uma de nossas prioridades mais importantes.
Mas, como afirma o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a descarbonização da energia, da indústria e do transporte por si só não nos levará até onde devemos estar. Precisamos também alavancar as Soluções Climáticas Naturais (NCS), o que significa transformar o uso da terra, reinventar a agricultura e aumentar o armazenamento e o sequestro de carbono nos ecossistemas existentes, como florestas, zonas úmidas, florestas de turfa e pastagens.
As NCS são um conjunto de ferramentas que podem ajudar a reinventar a forma como valorizamos e interagimos com a natureza. Historicamente, as florestas têm sido valorizadas apenas em termos do que pode ser extraído dela. Em todo o mundo, isso resultou na exploração madeireira generalizada, na agricultura industrial, na expansão das áreas urbanas e na eliminação de 420 milhões de hectares de árvores, ou doze vezes o tamanho da Malásia, desde 1990.
Os créditos de carbono gerados para o mercado voluntário de carbono são um meio comprovado de reequilibrar essa devastação. Ao atribuir um valor ao carbono evitado ou sequestrado, uma floresta intacta e em pé pode superar o incentivo financeiro para derrubá-la e convertê-la em outro uso.
Há condições e ressalvas. Do lado do comprador, a compra e a aposentadoria de créditos não devem ocorrer às custas de cortes agressivos e rápidos nas emissões de escopo 1, 2 e 3. Os créditos devem ser usados para combater as emissões que não podem ser reduzidas atualmente ou para além da cadeia de valor de uma empresa.
É importante entender a necessidade de se determinar um preço para as emissões da atividade corporativa. A compra de créditos de carbono não é uma tarefa fácil para as empresas, pois há um custo, e todas as empresas têm equipes cuja função é cortar custos. Para reduzir a necessidade de compra de créditos de carbono, elas cortarão as emissões.
Não podemos garantir que as empresas seguirão essa regra sempre, mas algumas pesquisas de alta credibilidade demonstraram que as empresas que compram créditos de carbono no mercado voluntário são, em geral, as que mais fazem para reduzir as emissões de suas operações e cadeias de suprimentos [LINK].
No que se refere ao projeto, um crédito de carbono deve representar uma tonelada de dióxido de carbono evitado ou removido (ou emissão equivalente de gás de efeito estufa) e o desenvolvedor do projeto deve demonstrar adicionalidade (impedir o que teria acontecido em termos de emissões se o projeto não interferisse), bem como uma lista de outros pré-requisitos, como permanência, minimização e contabilização de possíveis vazamentos etc.
Os créditos de projetos florestais, como o Projeto de Conservação da Floresta Tropical de Kuamut, são reconhecidos como válidos porque demonstraram um benefício climático mensurável (ao mesmo tempo em que proporcionam melhorias na comunidade e na biodiversidade).
Esse projeto específico, no qual estou engajado, foi estabelecido para evitar as emissões que seriam geradas pela operação industrial de extração de madeira que estava programada para ocorrer na área florestal. Os cálculos e dados precisos de como os créditos de carbono foram gerados estão disponíveis publicamente para quem quiser examiná-los nos documentos técnicos. O projeto, não só foi validado e verificado de acordo com o principal padrão internacional, como também foi examinado e avaliado de forma independente como estando entre os de mais alta qualidade pelas principais agências globais de classificação.
As primeiras gerações de turbinas eólicas e painéis solares eram altamente ineficientes – os críticos argumentavam que elas nunca seriam uma alternativa viável aos combustíveis fósseis. Com o passar do tempo, com o aprimoramento e a inovação contínuos e, principalmente, com o apoio do mercado voluntário de carbono, sua qualidade melhorou além das expectativas, e com frequência, a tecnologia está superando o carvão, o petróleo e o gás.
O escrutínio deve ser usado para melhorar a forma como combatemos as mudanças climáticas e protegemos o meio ambiente. Ele não deve ser usado como arma para promover a inação.
por Ivy Wong, da Permian Malaysia, e David Stone, da Permian Global
Artigo publicado originalmente em 19 de julho de 2024, no Blog da Permian Global. Confira o original.