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by Adriana Martins

09/03/2024

Soluções Climáticas com base na Natureza (SCbN), termo ainda pouco conhecido, mas que vem sendo cada vez mais mencionado, são iniciativas que direcionam recursos para lidar com os desafios ambientais e sociais, através da proteção e uso sustentável de áreas naturais ameaçadas, em colaboração com as comunidades locais.

De acordo com a ciência, florestas nativas são, até o momento, a melhor tecnologia disponível para retirar da atmosfera os gases que causam o efeito estufa e o aquecimento global. Dessa forma, a conservação da Amazônia, assim como de outras florestas tropicais nativas, é uma solução natural para combatermos as mudanças climáticas que tanto nos ameaçam. A conservação e restauração desses ecossistemas responsáveis pela vida no planeta e pela regulagem do clima são o principal objetivo dos projetos de SCbN.

Nestas iniciativas, as ações em prol da natureza são concebidas, desenvolvidas e implementadas com a participação ativa das comunidades locais, guardiãs da floresta, respeitando salvaguardas socioambientais e visando benefícios adicionais, tais como a proteção dos recursos naturais que garantem seus meios de subsistência e o fomento de alternativas econômicas sustentáveis para que essas comunidades possam gerar renda adicional e melhorar sua qualidade de vida. Dessa forma, as comunidades não são apenas beneficiárias passivas dessas ações, mas parceiras ativas e colaboradoras fundamentais nesse processo.

Esta abordagem conjunta entre iniciativas públicas, privadas e comunitárias valorizam e incorporam aos projetos conhecimentos tradicionais, respeitando a cultura, os direitos, as necessidades e anseios das populações locais. Os benefícios decorrentes costumam compreender uma gama ainda maior de oportunidades para a melhoria da produtividade sustentável, alimentação, saúde, educação, autonomia, condições de trabalho e bem estar das comunidades.

Com sua participação ativa nos projetos, as comunidades guardiãs podem ser beneficiadas, por exemplo, com o Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), um mecanismo previsto em lei, que remunera pelo trabalho de proteção da floresta e sua biodiversidade. Além disso, os comunitários parceiros podem ser contratados para outras atividades necessárias à conservação florestal, como o monitoramentos da área e das espécies, brigadas de incêndio, assistência técnica em extensão rural, restauração e reflorestamento de áreas degradadas, entre outras relevantes para a certificação do projeto, geração de créditos de carbono e financiamento da conservação da natureza no longo prazo.

Outro benefício de impacto são os programas de capacitação técnica e profissional para a melhoria da renda extrativista, muitas vezes com a diversificação e valorização das cadeias produtivas sustentáveis para o fomento da bioeconomia local. Todos os benefícios para florestas, clima, comunidades e biodiversidade contribuem para o reforço de modelo que tem se demonstrado eficaz para direcionar os recursos necessário para a conservação da natureza e segurança climática. Vale lembrar que, embora já existam boas práticas globais para o desenvolvimento desses projetos inovadores, cada modelo é único, de acordo com as características da área, vocação e necessidades das comunidades parceiras.

Esse amplo conjunto de ações deve levar em consideração, sempre, os instrumentos de governança, como a organização comunitária para tomada de decisões democráticas e representativas e os planos de manejo da área protegida, que determinam as regras sobre o que pode ser praticado dentro da área para sustento familiar e proteção da área. Os projetos de SCbN são, portanto, uma abordagem holística e participativa, que reconhece o papel fundamental das comunidades na gestão responsável dos recursos naturais e conservação da natureza como uma solução científica e eficaz para o clima.

Para a venda de créditos oriundos dos projetos de conservação da natureza é necessário certificá-los comprovando seus benefícios de acordo com critérios internacionalmente aceitos. Dentre as certificações disponíveis estão a VCS (Verified Carbon Standard) da VERRA, um padrão de certificação de créditos para o mercado voluntário¹, e a CCB (Clima, Comunidade, Biodiversidade), um padrão adicional de verificação para atestar o impacto dos co-benefícios do projeto sob seus três pilares que pode agregar valor premium aos créditos VCS.

Inovadoras, as SCbN evoluem de acordo com o avanço de metodologias e melhores práticas a cada novo projeto comprovadamente íntegro. Esta integridade, por sua vez, depende do cumprimento de regras, como os princípios fundamentais de carbono, elaborados pelo VCMI (Voluntary Carbon Market Initiative), uma iniciativa dos desenvolvedores de projetos para manter um padrão de integridade elevado no mercado, garantido pelo monitoramento constante, mensuração e auditoria destes projetos por entidades certificadoras independentes.

Do ponto de vista de melhores práticas, as que dizem respeito ao direitos das comunidades locais que dependem da natureza para sua subsistência, como as extrativistas, ribeirinhas, indígenas e quilombolas contam com salvaguardas socioambientais que os projetos SCbN precisam levar em consideração desde o seu início e ao longo de toda a sua permanência. Para que um projeto em conjunto com essas comunidades tenha integridade e longevidade, são recomendadas algumas práticas essenciais:

1) Identificar e entender o contexto social
Antes de projetar e implementar um projeto de SCbN, é essencial identificar e compreender o contexto da comunidade local, incluindo suas necessidades, valores, conhecimentos, interesses e capacidades. Isso pode ser feito por meio de métodos participativos, como entrevistas, pesquisas, rodas de conversa e levantamentos de dados que expressem suas perspectivas e preferências. Ao entender o contexto, é possível adaptar o projeto às condições socioculturais e ambientais locais, atendendo ou superando as expectativas dos parceiros locais.

Um levantamento socioeconômico, por exemplo, pode mapear os indicadores da situação inicial, chamada de linha de base, a serem monitorados e impactados pelo projeto. Complementarmente, imersões no dia a dia das comunidades pode proporcionar oportunidades de conversas espontâneas com os comunitários, a fim de captar expectativas e preocupações, geralmente não expressos de imediato em uma entrevista ou em grupos.

2) Desenvolver o projeto em conjunto desde o seu início
Co-desenhar² um projeto de SCbN também é essencial para o processo de Consentimento Livre, Prévio e Informado, ou CLPI, sigla que se torna cada vez mais conhecida no meio, para que os desejos e direitos das comunidades locais sejam respeitados, e para que possam avaliar o potencial de impacto do projeto em seu modo de vida, de forma clara e transparente, antes de fornecerem seu consentimento.

Ao engajar os parceiros comunitários no planejamento conjunto de um projeto de SCbN, torna-se mais viável promover a sua gestão e governança pelos próprios parceiros comunitários, bem como a confiança e a colaboração entre a comunidade e demais partes interessadas do projeto a fim de garantir que seja de fato participativo e inclusivo.

3) Reconhecer e respeitar direitos e papéis
Isso inclui reconhecer os direitos das comunidades locais à sua tradicionalidade e acesso à área, uso e gerenciamento de recursos naturais, bem como suas funções como parceiros do projeto. Reconhecer e respeitar direitos e papéis é um caminho para uma governança justa e responsável do projeto, e para que a comunidade de fato se beneficie das suas oportunidades e resultados.

A inclusão de todos no processo decisório, como anciões, mulheres e jovens, e não somente das lideranças, é vital para a governança e longevidade do projeto, já que projetos de SCbN precisam permanecer saudáveis por décadas, e impactar especialmente as gerações futuras.

4) Desenvolver e fortalecer capacidades locais
Essa boa prática diz respeito à capacitação e empoderamento da comunidade local para se engajar com o projeto e se beneficiar integralmente dele. Isso pode ser feito através de treinamento e capacitação técnica, educação ambiental, disponibilização de recursos que aprimorem conhecimentos e habilidades existentes, valorizando saberes locais, fortalecendo cadeias produtivas sustentáveis e a tradicionalidade.

Desenvolver capacidades locais, possibilita que a comunidade contribua ativamente com a gestão, desempenho e indicadores da qualidade e integridade do projeto, maximizando o seu retorno em forma de benefícios coletivos.

5) Fomentar a cooperação interdisciplinar
Para isso, é necessário promover parcerias entre diferentes partes interessadas, como governo local, organizações não governamentais, vizinhança, empresas e academia, fomentando apoio e impacto regional com uma abordagem holística e integrada. Reconhecer publicamente e celebrar as contribuições e o sucesso dos comunitários fortalece seu orgulho quanto à tradição, papel vital e competência na conservação da natureza e desenvolvimento sustentável local.

Em resumo, é urgente promovermos as soluções climáticas baseadas na natureza como uma abordagem crucial para mitigar as mudanças climáticas, destacando igualmente a necessidade de proteger os direitos das comunidades que resguardam os recursos naturais e saberes originários de alto valor para a bioeconomia e desenvolvimento sustentável das regiões que abrigam as maiores florestas do planeta.

Reconhecendo o valor inestimável da natureza e dessas soluções, é imperativo que governos, organizações e indivíduos, em todo o mundo, se engajem e fortaleçam as parcerias necessárias para a integridade e solidez destes modelos de conservação florestal e mitigação climática que nos ajudam a avançar para um futuro mais sustentável e justo.

Notas:
(1) Os mercados voluntários foram criados por empresas interessadas em neutralizar suas emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) a fim de colaborar com os esforços globais de descarbonização sem uma obrigação legal, mas para atender a uma demanda de investidores e consumidores cada vez mais exigentes quanto à elaboração de inventários, relatórios de monitoramento de emissões e divulgação de metas de redução.

(2) Veja também: Co-Desenhando Projetos REDD+ com Comunidades Locais e Indígenas: O Poder do CLPI e Seu Impacto nas Vidas

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